MODELOS COGNITIVOS DO TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL 

 Problemas relacionados à ansiedade social estão entre as maiores fontes de perturbação emocional, interferindo substancialmente em seu funcionamento diário e, em grande parte das vezes, evoluindo para um quadro psicopatológico. Considerando os efeitos adversos que este transtorno em específico pode acarretar, uma melhor compreensão da sua manifestação clínica possibilita medidas preventivas, além de tratamentos mais focados e que atinjam melhores resultados. A partir da análise do comportamento de diferentes espécies ao longo da escala evolutiva, é plausível compreender a função protetiva exercida pela ansiedade, visto às inúmeras vezes em que esta alertou para a presença de perigo ou ameaça, garantindo assim a sobrevivência. Ao trazer a discussão para um contexto da atualidade, tem-se o caso de condutas humanas de enfrentamento de situações, as quais muitas vezes incluem manifestações ansiogênicas sem, necessariamente, constituírem-se em comportamentos disfuncionais. Haja vista este caráter adaptativo da ansiedade em contextos específicos, determinar quando sua apresentação envolve características patológicas não se constitui em uma tarefa fácil. Tratando-se de uma situação social, este medo afastará o indivíduo do convívio com outros, prejudicando significativamente suas relações interpessoais e na grande maioria das vezes sua vida profissional. 

A ansiedade social, manifestada através da timidez, do medo e da evitação social, apresenta frequente ocorrência na população como um todo e não é considerada, por si só, uma categoria diagnóstica. Alguns autores questionam-se com relação à clareza de limites categóricos entre ansiedade social e transtorno de ansiedade social, oportunizando a condução de estudos que investiguem a questão. 

Neste sentido, a maioria dos estudos compreende a transtorno de ansiedade social em um contínuo da ansiedade social, o qual estende-se desde níveis mínimos de ansiedade social ao extremo estado desta ansiedade. Nos casos em que esta ansiedade atinge proporções maiores, levando a um acentuado retraimento, redução e até abandono de rotinas sociais, gerando substancial sofrimento ou prejuízo na vida social do indivíduo, fala-se em um processo psicopatológico. 

 O transtorno de ansiedade social, juntamente com a maior parte dos transtornos de ansiedade, pode ser compreendido com base no modelo comportamental conhecido como Teoria dos Dois Fatores de Mowrer. Conforme pressupostos deste modelo, a ansiedade excessiva ou o medo vivenciado nas situações sociais seria uma resposta aprendida, derivada da exposição sucessiva a experiências sociais aversivas. Neste caso, o primeiro fator envolveria a associação entre o desconforto intenso causado pelas experiências sociais passadas e as situações sociais propriamente ditas. O segundo fator estaria relacionado à manutenção do transtorno, onde o elemento reforçador negativo seria o próprio comportamento de esquiva, através da retirada do estímulo aversivo gerador de ansiedade. Isso impediria a extinção da resposta aprendida, fazendo com que o medo se perpetuasse. Assim, o primeiro fator (aprendizagem reflexa) contribuiria para a origem do transtorno de ansiedade social e o segundo fator (aprendizagem operante) estaria implicado na manutenção do transtorno de ansiedade. Outro importante modelo imbuído de dar conta da explicação da gênese e manutenção do transtorno de ansiedade social é o de Clark e Wells, onde é proposta a existência de três padrões cognitivos característicos. O primeiro deles incluiria critérios próprios de exigência de desempenho social, manifestos por crenças do tipo “preciso ser altamente comunicativo para poder interagir com as outras pessoas”, ou “devo ser muito carismático para que gostem de mim”, ou ainda “preciso agradar sempre a todos”. 

A combinação dessa expectativa de um alto padrão de desempenho, com uma baixa autoestima (que vem a ser o segundo padrão cognitivo), poderia resultar em uma ausência de tentativa de estabelecimento de contato social. Isto porque, neste contexto, imperaria o pressuposto do indivíduo de não ser capaz de conseguir estabelecer um contato satisfatório. O terceiro e último fator presente neste modelo explicativo seria um déficit real nas habilidades sociais, uma vez que tais pacientes raramente têm a oportunidade de desenvolver tais habilidades. Isso faria com que, a cada tentativa, suas crenças de baixa autoestima e de inadequação e incompetência social fossem confirmadas. Os modelos cognitivos atuais mencionam uma série de crenças específicas de pacientes diagnosticados com transtorno de ansiedade social, acerca do mundo circundante e de si mesmos. 

Em termos das distorções apresentadas por estes indivíduos, entende-se que estas abarcam erros cognitivos de processamento e conteúdo. Distorções de conteúdo envolvem ideias disfuncionais, como àquelas que os fazem acreditar que estão em permanente perigo social ou que poderiam vir a agir de maneira imprópria e, dessa forma, serem rejeitados e avaliados negativamente pelos demais. Já as distorções de processo correspondem à maneira pela qual se chegou ao conteúdo, a qual pode ocorrer através da inferência arbitrária, da catastrofização, dentre outras. 

 Prof. Dr. Wilson Vieira Melo 22/01/2018 

 O INCONSCIENTE NEURAL E A TCC 

 Cerca de 2.000 anos depois de Epicteto, que relacionou os nossos sentimentos não aos fatos, mas às interpretações que temos dos fatos, o filósofo alemão Kant reafirmou esse conceito de representação mental ao dizer que todos os seres humanos constroem ativamente uma imagem do mundo. Nossa percepção não pode simplesmente captar e reproduzir exatamente o que existe do lado de fora, mas cria uma visão de mundo influenciada pela mente. Essa visão é uma representação da realidade que nunca é igual a realidade. Estima-se que os órgãos dos sentidos enviam cerca de 11 milhões de bits por segundo de informação para o cérebro. A verdadeira informação com que podemos lidar, no entanto, foi estimada entre 16 a 50 bits por segundo. Isso significa que se nossa mente consciente tentasse processar toda essa quantidade de informação enviada pelos órgãos dos sentidos, nosso cérebro entraria em colapso e travaria como um computador sobrecarregado. 

 Por esse motivo, apesar da grande carga de informação enviada ao nosso cérebro, temos dificuldade em prestar atenção no trânsito e falar ao celular ao mesmo tempo. Isso reflete a quantidade relativamente pequena de informação que nossa mente consciente consegue processar quando comparado ao processamento inconsciente. Mesmo sem perceber, nós tomamos muitas decisões por segundo. Como devo ajustar meus músculos para me inclinar desta cadeira? Qual a força que devo colocar para segurar o copo sem deixá-lo cair nem o amassar? Em que momento da descida devo me apoiar no corrimão? O que significa a expressão facial daquela pessoa? Tudo isso parece ser feito sem nenhum esforço, mas na verdade existe uma megaestrutura cerebral trabalhando fora do plano da consciência. 

A evolução nos fez desenvolver uma mente inconsciente justamente por que ela permite nossa sobrevivência num mundo repleto de estímulos e que exige uma assimilação e processamento de informações tão intenso. Outro fator que nos demonstra o quanto são intensas as atividades cerebrais das quais não temos conhecimento é o consumo de energia. Usando a atividade física como exemplo, quando estamos fazendo exercícios nosso corpo consome cerca de 100 vezes mais energia do quando estamos em repouso, deitados no sofá vendo televisão. Já no caso da mente consciente, se você estiver mentalmente ocioso consome somente cerda de 1% menos energia do que se estiver concentrado em uma atividade de desempenho cognitivo. Isso mostra que independente do que você estiver fazendo com sua mente consciente, a diferença no consumo de energia é muito pequena. É a mente inconsciente que domina a atividade mental e, portanto, usa a maior parte da energia consumida pelo cérebro. 

O inconsciente sempre está trabalhando muito, a despeito da mente consciente estar descansando ou muito ativa. Um dos principais focos do trabalho do nosso inconsciente é o processamento de dados enviados pelos nossos olhos. Pela sua importância para a sobrevivência, a evolução fez com que cerca de 1/3 do nosso cérebro esteja relacionado ao processamento da informação visual. Você identifica expressões humanas, reconhece rostos familiares, detecta movimentos, reconhece objetos, diferencia cores, percebe a distância e a profundidade, e todo esse trabalho cerebral ocorre forma inconsciente. 

O seu consciente somente tem acesso ao resultado, com todos os dados já devidamente organizados e interpretados. Enquanto sua mente inconsciente trabalha de forma intensa para fazer tudo isso, você está relaxadamente lendo um livro, assistindo um filme ou olhando pela janela de um avião. Sendo assim, como não nos damos conta de tudo que o nosso cérebro processa, podemos ter pressentimentos, respostas fisiológicas e sentimentos que são aparentemente inexplicáveis. As respostas estão em percepções que foram captadas pelo cérebro em nível inconsciente, mas que estão influenciando nossas interpretações sobre os eventos. 

 Relacionando essas descobertas com a terapia cognitiva, é importante para o terapeuta reconhecer os processamentos mentais inconscientes e o quanto os sistemas de crenças dos pacientes estão inseridos nesses processamentos, interferindo nas interpretações. Inúmeras memórias podem ser ativadas diante de um evento sem que o paciente sequer perceba, gerando significados e emoções aparentemente desconectados do evento ou desproporcionais. 

 O foco do terapeuta e do paciente, portanto, deve estar principalmente nos pensamentos automáticos, pois eles são a porta de entrada para os significados resultantes dos processamentos inconscientes, ainda que possam não ter muita lógica num primeiro momento. 

 Ainvestigação pura dos detalhes de uma situação, sem considerar as interpretações, pode levar o paciente a procurar uma explicação para os seus sentimentos e comportamentos naquilo que ele viu ou percebeu conscientemente. Isso pode confundi-lo ainda mais e inviabilizar o tratamento, pois muitos pensamentos automáticos podem ser ativados por dados do ambiente que o paciente viu, mas não sabe que viu. 

 Prof. MSc. Neri Maurício Piccoloto.  

Referências: Mlodinov, L. (2012). Subliminar - Como o inconsciente influencia nossas vidas. São Paulo: Zahar. Purves, D.; Augustine, J.; Fitzpatrick, D.; Hall, W.H.; LaMantia, A.S.; McNamara, J.O.; White, L.E. (2010). N Neurociências. Porto Alegre: Artmed.

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