BONECAS DE PAPEL 


Quando Lacan fala que “a informação atrai e captura massas impotentes, nas quais ela é vertida como um licor que atordoa no momento em que deslizam para o matadouro”, podemos associar esse dito ao discurso do capitalista que, numa sedução democrática oferece o produto investido num sonho de sucesso, poder e gozo. E como o sujeito do desejo está sempre à procura do preenchimento da falta que lhe é constitutiva e estruturante, prega, como diz Balman, que você não deve renunciar a nada, pois não há a ideia de tolerar uma falta na nossa atual sociedade. Acenando para o poder acessível e o belo possível, proliferam ofertas de consumo e reconstrução do corpo através dos ideais estéticos contemporâneos, embora uma padronização estética sempre houvesse. A compulsão para adquirir o objeto do desejo e fazer parte do culto ao dernier-cris da moda, da tecnologia, etc., faz com que, aqueles que não suportam estar fora da corrente consumista, fantasiem a satisfação completa ao adquirir esses supostos objetos do desejo que tamponariam a falta. Numa carta à Rilke, Freud disse que o belo é belo porque dura pouco. Essa verdade reproduz a angustia da contemporalidade, pois ela fala da ameaça do envelhecimento, da exclusão do grupo, da defasagem e do fim de estímulos que engodam o sentimento de prazer e mesmo o gozo. As pessoas querem um ininterrupto jorrar de gozo: mesmo os prazeres efêmeros, como programas e filmes de TV, são estendidos em séries para iludir a angústia da falta. Está em pauta a transitoriedade. O belo passa a ser uma exigência social, assim como a juventude e a boa forma. A ideia que é passada, como diz Lacan, é que “o possível é o que pode responder à demanda do homem ‘e’ o temível desconhecido (…) é o (…) inconsciente, isto é, a memória do que ele esquece”. Os ícones da beleza, do corpo perfeito, da juventude eterna prometida pelas intervenções plásticas e redutoras além dos implantes, dos cremes milagrosos, dos perfumes, das academias, dos postiches, mega-hairs, botox, apontam para uma possibilidade ilusória e adiam uma reflexão do sujeito, em relação àquilo que ele é, seu real, transformando o “estranho” (leia-se flacidez, envelhecimento, ruga, etc.) em algo repudiado como não se lhe pertencesse: um verdadeiro desconhecido. E, paralelamente a isso, surge uma espécie de ciúme, como diz Lacan, daquele que (ainda) não precisa desses artifícios do corpo, e vê “o registro do gozo como sendo o que não é acessível senão ao outro (…) um ciúme que nasce num sujeito em sua relação a um outro, uma vez que esse outro é tido por participar de uma certa forma de gozo (…) percebida pelo sujeito como o que ele mesmo não pode apreender (..) ciumar no outro, indo até o ódio, até a necessidade de destruir o que ele não é capaz de apreender de maneira alguma por nenhuma via”. Vemos aí o lado perverso do desequilíbrio entre o corpo e o social.

Um interessante enfoque que Lacan dá ao belo diz respeito de o belo ter por efeito desarmar o desejo. É como se ele prescindisse do desejo do outro e se satisfizesse com a própria contemplação narcísica. O belo conjuga-se com o desejo, mas ao mesmo tempo sabe que provoca esse desejo. E é baseando-se nessa norma, que muitas pessoas perseguem esse ideal para se sentirem amadas e desejadas, tornando-se “bonecas de papel” do desejo do outro.






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