TERAPIA RACIONAL-EMOTIVO-COMPORTAMENTAL: ESTUDOS DE CASO COM QUATRO RECLUSOS DA CASA DE DETENÇÃO “PROFESSOR FLAMÍNIO FÁVERO”

Décio Abdalla Siqueira [1]


RESUMO

O artigo apresenta o modelo de intervenção da Terapia Racional-Emotiva através do estudo de casos de quatro reclusos do Complexo Penitenciário do Carandiru, em São Paulo. O objetivo geral da intervenção consistiu em possibilitar aos reclusos elaborarem pensamentos e crenças compatíveis com a realidade social, permitindo-lhes adotarem comportamentos pertinentes a essa realidade. As sessões terapêuticas foram realizadas com registro de depoimentos e pensamentos. Os resultados mostram as avaliações, com análise das crenças e os comportamentos exibidos durante as sessões e nos encontros ocorridos após o indulto especial e condicional por Decreto Presidencial n.° 1860/96.

Palavras-chave: Reclusos, Terapia Racional-Emotivo-Comportamental, Crenças Irracionais.

ABSTRACT

Rational-Emotive Behavior Therapy: A case study with four prisoners at Casa de Detenção “Professor Flamínio Fávero”.

This work presents a psychological treatment of four men prisoners at the Penitentiary Complex of Carandiru in São Paulo. The general aim of this work consisted in making the four men prisoners elaborate thoughts and beliefs which are compatible with the social reality in which they live, allowing them to adopt compatible behaviors in this reality. The therapeutic sessions carried out with the four men prisoners, recording their ideas and beliefs. The conclusion presents an evaluation, analyzing the beliefs and behaviors displayed by the prisoners during the therapeutic sessions and during the dates occurred after the subjects received the special and conditional indult, according to the Presidential decree, n.° 1860/96.
Key words: prisioners, Rational-emotive-behavior therapy, irrational beliefs.


Este trabalho utilizou a Terapia Racional-Emotivo-Comportamental desenvolvida por Albert Ellis (1955). Baseia-se no método de tratamento ABC4 e segue o modelo educacional de aprendizagem cognitiva. Procura tornar as mudanças cognitivas mais duradouras através do estudo do comportamento racional-emotivo da seguinte forma: (a) considerar que as pessoas desenvolvem e podem superar suas próprias perturbações; (b) detectar crenças irracionais5; (c) debater, discriminando e disputando crenças irracionais; (d) mudar a partir de novas teorias e efeitos. O modelo terapêutico da REBT é ativo, diretivo e, em grande parte, educacional (Ellis & Dryden, 1987; Ellis, 1984; Walen, DiGiuseppe & Wessler, 1980). O meu objetivo foi encontrar uma metodologia mais adequada ao estudo de caso com os reclusos. A REBT foi escolhida pelo caráter empírico de uma investigação clínica e pela sua objetividade e porque possibilita modificar padrões de comportamentos desadaptados dos clientes. Sabe-se que o mundo interno da Casa de Detenção “Professor Flamínio Fávero” não é uma miniatura do mundo livre. De acordo com a observação de Thompson (1976), os valores estimados e cultivados no mundo da prisão são inteiramente opostos àqueles estimados e cultivados no mundo livre, conduzindo o recluso ao estado que Clemmer (1940) batizou de prisionização. Etiquetado como delinqüente, estigmatizado socialmente, o recluso busca aceitação entre os que são rotulados como ele, conforme declara Lemert (1958), Goffman (1961) e Becker (1977). De acordo com Muakad (1984, p. 20):

... uma vez que o sentenciado é visto definitivamente como criminoso, o desviante aprende a ser visto como tal, inclusive ele próprio passa a se ver como delinqüente. Separado do grupo que o rotulou, e estigmatizado, busca identificar-se com o grupo de etiquetados como ele. Produz-se assim, o que se chama de desvio secundário, uma vez que os etiquetados comportam-se do modo como deles é esperado, tornando-se praticamente impossível sua ressocialização.

Na prisão, à medida em se afrouxam os laços familiares e de amizade existentes ao tempo em que o recluso vivia no mundo livre, apertam-se os nós que o prendem aos novos companheiros e amigos do mundo da prisão e estes terminam por se transformar em sua nova família (Pimentel, 1978). Ao sair do cárcere, após o cumprimento de uma pena mais ou menos longa, o recluso nada mais tem em comum com a sociedade que o segregou, seus valores não são mais os mesmos, como diversos são suas aspirações, seus interesses e seus objetivos. A volta à prisão funciona como o retorno ao lar e, assim, se perpetua o entra-e-sai da cadeia. Por isso que a REBT foi escolhida devido ao pressuposto que a causa dos problemas humanos estão nas idéias irracionais que levam o ser humano a um estado de desadaptação ao seu meio ambiente. Logo a REBT declara que os distúrbios da personalidade começam com a pessoa determinando altos objetivos para si próprio, em um tipo de meio-ambiente que possui um ponto de criação de eventos e atividades que acabam por ajudar a arquivar ou bloquear o acesso às metas estipuladas.
A pena privativa de liberdade inverte a expectativa de ressocialização dos reclusos, pois o que a prisão fechada efetivamente faz é adaptar o prisioneiro à vida carcerária. Essa afirmação é sugerida pelo elevado número de reincidências que parecem demonstrar a incapacidade de muitos prisioneiros em se reintegrarem ao meio social. Nota-se que em 1996 – 35% dos presos são reincidentes em crimes, segundo fontes do Conselho Nacional e Estadual de Política Criminal e Penitenciárias. Portanto o objetivo primordial deste trabalho com os reclusos é trabalhar seus pensamentos inadequados, buscando torná-los responsáveis por sua própria mudança comportamental e futura adaptação à sociedade e mantendo em equilíbrio sua sanidade mental. Na minha visão trata-se ainda de recuperar a dignidade dessas pessoas rotuladas de marginais, bandidos, assaltantes, safados e outros termos pejorativos, para que possam reestruturar sua auto-imagem e acreditar que poderão ter uma vida melhor não apenas dentro da cadeia, mas fora dela através de um projeto de vida que as leve futuramente ao convívio social como uma pessoa apta a produzir e a respeitar o seu semelhante.
Thomaz Décio Abdalla Siqueira é Doutor, professor do Instituto de Ensino Superior Luterano de Manaus do Curso de Psicologia
4 “O modelo de tratamento de distúrbio emocional, também conhecido como o ABC da REBT. Este modelo é centrado na prática da REBT e expõe, principalmente, a teoria das emoções orientadas cognitivamente. Um suporte para os Eventos Ativantes (incluindo interpretações e inferências de A), que é mediado pela avaliação das Crenças (B) que transformam, em grande parte, determinadas pelas Conseqüências Emocionais e Comportamentais (C)
(...)” Dryden & Neenan, 1997: 1).
5 “Cognições avaliativas expressas em forma rígida, dogmática e deveres absolutos, obrigações, feitos, crenças assumidas e as crenças irracionais são agrupadas dentro de três principais deveres: ‘Eu devo...’;‘Você deve ...’; O mundo deve...’. Quando essas exigências não são encontradas, usualmente, as conclusões irracionais seguem os deveres irracionais ou premissas – primeiramente HORRÍVEL, BAIXA TOLERÂNCIA À FRUSTRAÇÃO e CONDENAÇÃO ...” (Ibid, p. 77).

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