Era uma moça franzina, 

Bela visão matutina 

Daquelas que é raro ver, 

Corpo esbelto, colo erguido, 

Molhando o branco vestido 

No orvalho do amanhecer. 

 Vede-a lá: tímida, esquiva... 

Que boca! é a flor mais viva, 

Que agora está no jardim; 

Mordendo a polpa dos lábios 

Como quem suga o ressábio 

Dos beijos de um querubim! 

 Nem viu que as auras gemeram, 

E os ramos estremeceram 

Quando um pouco ali se ergueu... 

Nos alvos dentes, viçosa, 

Parte o talo de uma rosa, 

Que docemente colheu. 

 E a fresca rosa orvalhada, 

Que contrasta descorada, 

Do seu rosto a nívea tez, 

Beijando as mãozinhas suas, 

Parece que diz: nós duas!... 

E a brisa emenda: nós três! ... 

 Vai nesse andar descuidoso, 

Quando um beija-flor teimoso 

Brincar entre os galhos vem, 

Sente o aroma da donzela, 

Peneira na face dela, 

E quer-lhe os lábios também 

 Treme a virgem de surpresa, 

Leva do braço em defesa, 

Vai com o braço a flor da mão; 

Nas asas d’ave mimosa 

Quebra-se a flor melindrosa, 

Que rola esparsa no chão. 

 Não sei o que a virgem fala, 

Que abre o peito e mais trescala 

Do trescalar de uma flor: 

Voa em cima o passarinho... 

Vai já tocando o biquinho 

Nos beiços de rubra cor. 

 A moça, que se envergonha 

De correr, meio risonha 

Procura se desviar; 

Neste empenho os seios ambos 

Deixa ver; inconhos jambos 

De algum celeste pomar! ... 

 Forte luta, luta incrível 

Por um beijo! 

É impossível 

Dizer tudo o que se deu. 

Tanta coisa, que se esquece 

Na vida! Mas me parece 

Que o passarinho venceu! ... 

 Conheço a moça franzina 

Que a fronte cândida inclina 

Ao sopro de casto amor: Seu rosto fica mais lindo, 

Quando ela conta sorrindo 

A história do beija-flor. 

 Tobias Barreto.

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